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Educação em tempo de CoVid-19 | Carta aberta das associações científico-pedagógicas de professores

Carta aberta das associações científico-pedagógicas de professores

 

As associações científico-pedagógicas de professores, abaixo assinadas, que trabalharam em conjunto ao longo de dois anos na elaboração das Aprendizagens Essenciais entenderam manter-se unidas na reflexão sobre as problemáticas educativas provocadas pela Covid-19.

Neste tempo, mais do que nunca, urge partilhar as nossas preocupações, umas imediatas, para fazer face a esta crise, e outras para um futuro próximo, onde possamos fazer escolhas consequentes com as aprendizagens que, durante este tempo, formos capazes de realizar.

Numa sessão de trabalho em que participaram mais de 30 representantes das referidas associações, foi manifestada a vontade e a disponibilidade de promover a reflexão em âmbitos educativos mais alargados e, eventualmente, de tomar posição sobre questões educativas transversais às disciplinas e ciclos de ensino. Neste contexto, vimos partilhar publicamente esta iniciativa, através da presente carta aberta.

A situação que vivemos tem-nos suscitado preocupação e inquietação, facto que nos levou a elaborar esta posição conjunta, alicerçada num conjunto de questões, variadas e complexas, muitas vezes ambivalentes. Sabemos que os professores e as escolas, as famílias e a sociedade civil, muitas destas associações e muitas outras organizações, bem como o próprio Ministério da Educação, têm contribuído para a resolução dos muitos problemas de uma crise que, sem precedentes e sem aviso, nos atingiu de uma tarde para uma manhã e nos revelou uma situação educativa nova e para a qual a maioria das pessoas não estava preparada. Por outro lado, esta nova situação tem ajudado a clarificar também o que cada um de nós e cada coletivo pensa sobre o que deve ser a nossa educação, o sistema de ensino português e a nossa escola, designadamente a escola pública.

Sobre o momento de emergência presente, e considerando que foram dados os passos possíveis neste contexto, não queremos deixar de referir alguns aspetos que estaremos sempre a tempo de complementar ou mesmo corrigir. Um deles, e o que mais nos preocupa, é o das muitas exclusões que, apesar dos grandes esforços inclusivos da educação, ainda não conseguimos corrigir e que nesta situação de distanciamento em relação às escolas e aos professores, tendem a agravar-se. Outro, é alguma confusão em relação ao que deve e ao que não deve ser um ensino a distância adequado a estas circunstâncias: entendemos que professores, escolas e tutela devem ser ponderados e equilibrados nas suas ações e propostas, assumindo que este tipo de interação com os alunos não deve ser uma simples replicação por meios tecnológicos das aulas “ao vivo”, mas antes uma prova efetiva de que não abandonamos os nossos alunos e que aqui estamos para os ajudar a progredir em atitudes e capacidades fundamentais para uma boa aprendizagem. Reiteramos a necessidade de afinar a nossa ação sempre na procura desse difícil mas essencial equilíbrio entre o que toca ao direito à privacidade e à proteção de dados, e a cumulativa necessidade de investir em todos os meios que nos permitam a maior aproximação possível aos nossos alunos, sublinhando que o sentido que deve prevalecer é o da preocupação com o acompanhamento individual a cada um (no respeito pela sua individualidade, pelo seu percurso pedagógico, pelos constrangimentos familiares que vive, pelos constrangimentos de equipamentos ou conectividade…) e não uma “espécie de lecionação” sustentada em plataformas digitais, sem que se tenha em conta as novas realidades em que esses discentes se podem encontrar imersos. Reconhecemos o grande esforço que todos os professores estão a fazer para responder a este desafio, ainda que este esforço esteja a supor uma sobrecarga de trabalho, feito geralmente à custa dos seus próprios suportes e sistemas, muitas vezes com proliferação de reuniões e burocracias e com efeito multiplicativo nos casos dos docentes com grande número de alunos.

Em relação ao futuro, como em relação ao presente, muitas são as questões que gostaríamos de eleger para debate e aprofundamento depois da fase aguda desta crise. Elencamos em seguida, e desde já, apenas algumas delas:

• a (re)valorização dos professores e do seu papel fundamental e insubstituível (não exclusivo, certamente) na educação e na formação das crianças e dos jovens do nosso país;

• a (re)valorização da escola como espaço de qualidade, quer quanto aos recursos de que deve dispor, quer quanto aos processos vividos no seu seio, essenciais nas aprendizagens relevantes para uma democracia saudável e atual;

• a criação de condições, há muito pedida, para uma integração abrangente das ferramentas digitais e tecnológicas no trabalho quotidiano, quer em sala de aula, quer na realização de projetos, quer no trabalho em casa, quer nas avaliações, com as consequentes medidas que a tornem possível para todos;

• a priorização das aprendizagens e das avaliações feitas pelos professores que acompanham a evolução dos seus alunos, em relação a classificações de provas externas (sobretudo quando aplicadas com funções seletivas e de acesso ao ensino superior); urge refletir, por um lado, sobre como poderia ser feita uma avaliação externa reguladora e, por outro, como deveria ser feito o acesso ao ensino superior sem que o ensino secundário seja disso refém;

• a necessidade de aprofundar o trabalho iniciado com as Aprendizagens Essenciais, com vista a uma revisão curricular e dos programas por forma a chegarmos a currículos coerentes, articulados, relevantes, flexíveis e focados em aprendizagens de facto essenciais;

• finalmente, a consciência renovada de que, seja à distância necessária no confinamento a que estamos, por ora, obrigados, seja localmente na escola num futuro que todos desejamos o mais breve possível, é nossa responsabilidade pessoal e coletiva não permitir que haja alunos que “fiquem para trás”.

 

18 de maio de 2020

 

Subscrita pelas seguintes Associações:

• ANPRI (Associação Nacional de Professores de Informática)

• APECV (Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual)

• APEM (Associação Portuguesa de Educação Musical)

• APEVT (Associação Nacional de Professores de Educação Visual e Tecnológica)

• APF (Associação de Professores de Filosofia)

• APH (Associação de Professores de História)

• APLG (Associação de Professores de Latim e Grego)

• APM (Associação de Professores de Matemática)

• APP (Associação de Professores de Português)

• APPA (Associação Portuguesa de Professores de Alemão)

• APPBG (Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia)

• APPELE (Associação Portuguesa de Professores de Espanhol Língua Estrangeira)

• APPF (Associação Portuguesa dos Professores de Francês)

• APPI (Associação Portuguesa dos Professores de Inglês)

• APROCES (Associação de Professores de Ciências Económico-Sociais)

• APROFGEO (Associação de Professores de Geografia)

• CNAPEF (Conselho Nacional de Associações de Profissionais de Educação Física e Desporto)

• EDUCOM (Associação Portuguesa de Telemática Educativa)

• MEM (Movimento da Escola Moderna)

• SPQ (Sociedade Portuguesa de Química)*

*A SPQ participou no trabalho de elaboração das AE, juntamente com as associações de professores, preenchendo a lacuna da inexistência de associações congéneres nesse domínio

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