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(Re)Pensar o Humano – 32.º Encontro de Filosofia

O 32.º Encontro de Professores de Filosofia decorreu em Conímbriga, a 17 de fevereiro, subordinado ao tema “(re)Pensar o Humano”.

A conferência de abertura coube a Maria do Céu Patrão Neves (Universidade dos Açores), que mostrou como nos deparamos com transformações tecnológicas sucessivas, desde a hominização,  de tal modo impactantes que hoje já não se trata apenas da adaptação do Homem ao Mundo mas sim do Mundo ao Homem. A revolução biotecnológica em curso permite ao Homem o melhoramento de si, através da transplantação e da engenharia genética. A transplantação colocou-nos, desde o início, perante cenários que levantam novas questões filosóficas: a ingenuidade da questão “a identidade de alguém que recebeu um transplante de coração será a mesma?” volta a colocar-se hoje, quando se discute a possibilidade de transplantação de uma cabeça humana. Entramos, pois, na era da bioengenharização do humano, na qual a engenharia genética, tão promissora no alvor dos anos 70, permite a intervenção a nível somático e germinal, com possíveis consequências não apenas sobre o indivíduos mas também sobre os seus descendentes.

O primeiro painel, sobre Inteligência artificial, economia, empregabilidade e educação, contou com a participação de Pedro Encarnação, da Universidade Católica de Lisboa, e António Quitas-Mendes, da Universidade Aberta. Apresentaram-se factos e ideias sobre Inteligência Artificial e Robótica, seus desenvolvimentos recentes e implicações éticas, e educação e empregabilidade – do ócio ao trabalho criativo. Analogamente aos modelos empiristas, os sistemas inteligentes atuais constroem conhecimento a partir de dados, assumindo particular relevância a emergência do “Big Data”. Para lá do mero tratamento massivo de dados, estamos perante máquinas que parecem capazes de criatividade, estabelecendo novas estratégias de resolução de problemas nunca antes pensadas pelo ser humano. Novas questões éticas se perspectivam, designadamente quanto à autonomia, à privacidade, à fidelidade e aos códigos de conduta para estes robots inteligentes que ameaçam conduzir milhões de seres humanos ao desemprego. Precisamente, a universidade vê-se perante a necessidade de se posicionar perante as novas utopias e distopias,  que nos fazem recordar os clássicos literários de Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo), George Orwell (1984) ou Ray Bradbury (Fahrenheit 451). Perante a ameaça de (in)empregabilidade, como preparar uma sociedade para o ócio, para o lazer?
Ao final da  manhã, o professor Manuel João Pires mostrou como (não) fazer ensaios filosóficos no ensino secundário, com divertidas referências ao texto de James Lenman, How to write a crap philosophy essay: a brief guide for students. Três jovens estudantes, Maria João Portijo, Andreia Vitorino e Nuno Rafael Gomes, apresentaram os seus brilhantes ensaios, intitulados respetivamente “O Clube Ético: quem pode ser sócio?”, “O problema do livre-arbítrio: a ilusão da ignorância” e “Como derrotar o Génio Maligno com duas mãos?”
Durante a tarde realizaram-e dois painéis de discussão: “estatuto moral e jurídico da inteligência artificial” e “as biotecnologias e a invenção do futuro”.

No primeiro, Ana Elisabete Ferreira, da Universidade de Coimbra, relacionou robótica, inteligência artificial e Direito, equacionando a questão da agência moral no caso dos robots: quem assume a responsabilidade pelas ações executadas por robots dotados de inteligência artificial? A roboética (ética aplicada aos robots) trouxe-nos o reconhecimento do estatuto de “Pessoa Eletrónica” para os robots mais avançados, ainda que tal não se confunda com o estatuto de personalidade jurídica. Novas questões estão iminentes, de que é exemplo a possibilidade de carros inteligentes sem condutor assumirem decisões éticas em situações reais de trânsito. Miguel Vieito, da Universidade de Santiago de Compostela, apresentou o posicionamento legal da União Europeia face à inteligência artificial e as reflexões éticas e legais face à “Singularidade”. Pode alguma máquina ter direito à dignidade, à integridade física, ao descanso?

No último painel,  Eugénio Ferreira (da Universidade  do Minho) e Maria Goreti Sales (Universidade do Porto) discutiram, com moderação de Maria do Céu Patrão Neves, as biotecnologias e a invenção do futuro, sumariando os marcos da biotecnologia desde 1970, com inevitáveis referências à clonagem (ovelha Dolly), às aplicações agroalimentares (insecticidas, organismos geneticamente modificados, comercialização de sementes) e os benefícios e malefícios das biotecnologias. Destaque para as implicações éticas da aplicação das biotecnologias à saúde humana, designadamente ao nível do diagnóstico e terapias médicas.

Em suma, foi um Encontro extraordinariamente interessante, com comunicações de excelência, demonstrando que o pensamento filosófico está bem vivo e actuante no século XXI, com destaque para a área da Ética, da Bioética e da Filosofia da Informação. Destaque para a excelente adesão dos professores de Filosofia, com largas dezenas de participantes no já tradicional Encontro promovido anualmente pela Apf.

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