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ePrivacidade Trocada Por Miúdos

ePrivacidade

A privacidade é um problema tradicional na história da Filosofia. Aristóteles distinguia a esfera privada da esfera pública, entendendo uma como o domínio do oikos, da vida doméstica ou familiar, e reservando à outra a vida na polis, as atividades políticas propriamente ditas. Em “Sobre a Liberdade”, também John Stuart Mill distingue o público do privado, contrapondo os domínios da intervenção da autoridade do Estado na vida dos indivíduos relativamente aos domínios da vida em que o indivíduo pode autorregular-se.

O desenvolvimento tecnológico acarretou sucessivos problemas de invasão ou perda de privacidade. As máquinas fotográficas e o desenvolvimento da imprensa provocaram uma maior preocupação quanto ao direito à privacidade no final do século XIX. Já no século XX, a emergência da Sociedade do Conhecimento, com as suas redes de informação e conhecimento, coloca-nos perante novos desafios, tais como a viabilidade da democracia, a intrusão do Estado na vida pessoal dos indivíduos através de formas de e-government, a vigilância eletrónica e o capitalismo de vigilância. A premência do assunto é tal que a União Europeia se viu obrigada a criar legislação para proteger os dados pessoais dos cidadãos.

O assunto voltou a merecer a atenção dos filósofos, sendo abordado por autores como Ferdinand Schoeman, Judith Harvis Thomson, Richard Posner, Catharine MacKinnon, Anita Allen, Thomas Nagel, James Rachels, Luciano Floridi, etc.

Efetivamente, são muitas as áreas em que a privacidade parece estar em causa. Os dados pessoais dos cidadãos incluem itens tais como a data de nascimento, as relações amorosas, as preferências sexuais, a religião, as doenças de que padece, a situação financeira, os comportamentos sociais, os hábitos de consumo, mas também o endereço IP do computador ou a geolocalização do telemóvel através de fotografias ou aplicações informáticas. A devassa destes dados privados poderia ter implicações, por exemplo, na negociação de um seguro de saúde, de um seguro automóvel ou das reais convicções políticas de cada um de nós.

Atualmente, são muitas as áreas de impacto das tecnologias de informação sobre a privacidade. O desenvolvimento destas tecnologias permite a recolha e o armazenamento de dados pessoais recolhidos através de smartphones, redes sociais, dispositivos “wearables” como relógios e pulseiras inteligentes, etc, e tais dados podem ser utilizados para vigilância eletrónica, marketing direto ou determinação de padrões comportamentais. Nas redes sociais, os indivíduos são convidados ou seduzidos a trocar os seus dados pessoais por novas e atrativas funcionalidades e serviços disponibilizados “gratuitamente” pelos sites. Quando estão online, os utilizadores fornecem quantidades enormes de dados: sites visitados, links nos quais clicaram, termos de pesquisa, etc, revelando as suas preferências individuais. Esses dados permitem não apenas direcionar a publicidade, mas também descobrir padrões comportamentais que viabilizam a descoberta das opções de vida dos utilizadores, como a sua religião, as preferências sexuais, etc. Nos telemóveis, dados como a localização (definida por GPS) e as imagens da câmara incorporada podem ser acedidos por outros utilizadores mal-intencionados. Uma das principais alterações é a tendência para o e-government, isto é, a utilização das tecnologias de informação para a criação de passaportes biométricos, serviços de gestão eletrónicos, sistemas de voto, e uma enorme variedade de plataformas online para participação dos cidadãos. Se tal pode reduzir a burocracia, também é verdade que aumenta a vulnerabilidade dos indivíduos perante sistemas informáticos sujeitos a ataques que colocam em causa a segurança e a privacidade dos cidadãos. Simultaneamente, vemos crescer uma nova condição social, os infoexcluídos, aqueles que não têm acesso ou não dominam as novas linguagens de comunicação, exigíveis pela nova “cidadania digital”.

É neste contexto que a Apf – Associação de Professores de Filosofia – se junta no apoio à iniciativa “ePrivacidade Trocada Por Miúdos”, uma campanha “sobre privacidade e segurança online que visa sensibilizar crianças, pré-adolescentes, adolescentes e jovens adultos para a confiança e segurança online”. Correspondendo ao desafio do Projeto “Miúdos Seguros na Net” e do Capítulo Português da Internet Society, a Apf procede à disseminação desta iniciativa pelos seus associados.

A iniciativa “ePrivacidade Trocada por Miúdos foi lançada no dia 28 de janeiro de 2020, numa cerimónia realizada na Fundação Portuguesa das Comunicações, em Lisboa, e conta com o apoio da Internet Society Foundation e vários outros parceiros, entre os quais a Apf. Em 2020, os temas a desenvolver serão “A Privacidade & Direitos Humanos”, “Gestão da Identidade & Privacidade”, “Privacidade & Pegada Digital”, “Privacidade e Internet das Coisas”, “Privacidade & Encriptação”. Para mais informações deve ser consultado o site eprivacidade.pt/

Afinal, é necessário que cada um compreenda o alcance e o poder destas novas tecnologias mas também se consciencialize quanto aos comportamentos que deve ter nesta Sociedade em Rede. Também aqui, a Filosofia tem um importante papel a desempenhar.

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