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O estado da arte | Edição janeiro de 2022

O ESTADO DA ARTE

Conquanto os problemas fundamentais da filosofia tenham sido colocados há séculos, a investigação teórica sobre eles continua a ser intensa, havendo atualmente inúmeras linhas de investigação em curso. Por sua vez, colocam-se hoje outros problemas teóricos e práticos, resultantes de desafios atuais nos domínios da tecnociência, da política, da transformação das sociedades, entre outros.

No ciclo temático “O estado da arte” pretende-se apresentar algumas das linhas mais recentes de investigação e discussão filosóficas. Com a ambição de ser um ciclo com várias edições ao longo do tempo, procurar-se-á em cada uma analisar temas diferentes, capazes de manter viva a necessidade da atualização do conhecimento filosófico.

As sessões decorrerão online, através da plataforma de videoconferência Zoom.

A formação será proposta para acreditação, pelo CFAE Beira Mar, na modalidade de formação de curta duração. Possibilidade aberta a docentes no sistema de ensino não superior português. Emissão de certificado a realizar e enviar pelo CFAE Beira Mar, cumpridos os procedimentos legais necessários.

Para os restantes participantes, a APF emite um certificado de presença.

TERCEIRA EDIÇÃO 2022 | QUATRO SESSÕES

10 e 17 de janeiro de 2022 | 21h-22h

Artur Galvão, Universidade Católica de Braga

A promessa transhumanista: enquadramento histórico e teses principais

Desde sempre, o ser humano tem desenvolvido esforços por ir além de si mesmo, procurando alargar as potencialidades da sua condição. Para este esforço, muito contribuiu a tese de que humanidade não é um produto acabado, mas um projeto em andamento, com a possibilidade de autoconstrução. A natureza humana é, classicamente pensada, no duplo sentido da palavra natureza. Por um lado, é fruto da natureza, o corpo humano é-lhe dado, de modo mais ou menos acabado, com limitações e potencialidades próprias. Por outro, a natureza (a essência) humana está além da sua dimensão corporal, concretizando-se na sua capacidade racional e social de se autoconstruir de acordo com os seus desejos e aspirações. Daí as definições clássicas do ser humano enquanto “animal racional ou social” (Aristóteles) ou “animal educável” (Kant). Com o advento da ciência, e das novas tecnologias, as fronteiras da ação humana alargaram-se. Agora é não só possível continuar a manipular a dimensão social, como se abriu o horizonte da modificação biológica e, consequentemente, a oportunidade de lutar pela velha promessa da imortalidade. Assim, o transhumanismo advoga o uso da tecnologia na manipulação humana com vista à erradicação das doenças, do envelhecimento e da morte.

 

A promessa transhumanista: transhumanismo vs. bioconservadorismo

As promessas do transhumanismo ressoam profundamente no imaginário e ansiedades humanas. Contudo, não reúnem consenso e há quem veja no projeto transhumanista a ideia mais perigosa do mundo (Fukuyama). Dois movimentos desenvolveram-se em torno destas ideias, os seus defensores (Moore, Bostrom, Stock, Moravec, Warwick, Haraway, etc.), isto é os transhumanistas; e os seus detratores, genericamente incluídos no grupo dos bioconservadores (Arendt, Fukuyama, Scruton, Kass, Habermas, McKibben, etc.). Várias interrogações têm sido levantadas e alvo de discussão. Por exemplo: O transhumanismo conduzirá a uma utopia ou distopia político-social? É moralmente aceitável a manipulação humana? Não estarão por detrás do transhumanismo ideais eugénicos? E se sim, isso é mau? Em que consiste a condição humana?

 

Artur Galvão é Professor Assistente Convidado na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa (Braga). Leciona as unidades curriculares de Epistemologia, Filosofia da Ciência, Filosofia da Linguagem, Lógica Informal e Argumentação e Investigação Orientada 1 e 2. Leciona/ou múltiplas unidades opcionais e seminários em áreas como Filosofia e o Amor, Filosofia no Cinema, Teorias da Racionalidade, Filosofia da Mente e Ciências Cognitivas. Tem feito pesquisa no âmbito do pragmatismo e do pensamento tomista, tendo-se especializado no pensamento filosófico de A. MacIntyre e R. Rorty. É membro do Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos. É secretário da Revista Portuguesa de Filosofia. Tem organizado e participado em congressos internacionais, realizado múltiplas conferências e organizado e orientado múltiplas ações de formação de professores e de profissionais do mundo empresarial. Tem colaborado com conferências e workshops em escolas secundárias de todo o país.

 

24 e 31 de janeiro de 2022 | 21h-22h

Manuel João Pires, AE Ginestal Machado e PROSOFOS

Ética da sexualidade
Em relação ao sexo e à sexualidade podemos considerar que estamos imersos numa espécie de esquizofrenia cognitiva: vivemos numa sociedade hipersexualizada, em que o sexo assume um caráter omnipresente e, no entanto, de forma paradoxal, este continua a ser um tabu, um espaço de silêncio em que muitas vezes nem somos capazes de chamar as coisas pelos nomes. Historicamente, o sexo sempre foi um parente pobre da reflexão filosófica, e quando os filósofos se debruçaram sobre o tema foi, quase sempre, para sobre ele proferir um anátema. Começando com Platão, que denegriu a atividade sexual em si mesma, considerando que esta devia conduzir a algo de superior, e Aristóteles, que pouco ou nada disse sobre o assunto, passando por Agostinho de Hipona, que não obstante, nas Confissões, ter rogado: “Deus, concedei-me a castidade, mas não agora” e Tomás de Aquino, que alertaram para os perigos de sermos dominados pela concupiscência, ancorando a permissibilidade da sexualidade numa teleologia reprodutiva que marcou indelevelmente toda a moral sexual do ocidente, e terminando com Kant, que considerou o sexo a única inclinação natural incapaz de satisfazer o Imperativo Categórico, a sexualidade, sempre foi vista com grande desconfiança metafísica, antropológica e moral. Só mais recentemente este cenário começou a ser desafiado nos seus alicerces e a reflexão filosófica passou a encarar de frente as questões colocadas pelo sexo e a sexualidade. Começando, à maneira socrática, por questões conceptuais tão simples e intrigantes como “o que é o sexo?”, “o que é que conta como atividade sexual?” e por questões relacionadas com a orientação e identidade sexual, iremos concentrar a nossa reflexão nas questões de natureza moral, nomeadamente na questão de saber que tipos de atividade sexual são moralmente permissíveis ou aceitáveis e em que circunstâncias, o que nos obrigará a abordar tópicos como a diferença entre bom e mau sexo, o consentimento, a objetificação ou as perversões sexuais, sempre interrogando o valor que o sexo e a sexualidade têm ou devem ter na existência humana. Neste Estado da Arte, o nosso objetivo será partilhar o que foi pensado e o que há ainda a pensar sobre o sexo e a sexualidade, nunca deixando de chamar as coisas pelos nomes.

 

Igualdade de género
A Igualdade de Género é reconhecidamente uma matéria de capital importância nas sociedades contemporâneas e constitui-se, glosando uma conhecida frase de Mahatma Gandhi, como um dos critérios pelos quais podemos medir a grandeza de um país e o seu progresso moral. Porém, se a Igualdade de Género fosse exclusivamente uma matéria de natureza empírica, bastaria, por exemplo, consultar o sítio do European Institute for Gender Equality para termos acesso ao estado da arte sobre esta matéria e podíamos dispensar qualquer intervenção par parte de um filósofo. No entanto, não podemos pensar verdadeiramente esta problemática refletir sobre o que é o Género, se Sexo e Género são a mesma coisa ou coisas diferentes, qual é a natureza do Sexo e a do Género, se, parafraseando Simone de Beauvoir, nascemos mulheres ou tornamo-nos mulheres, e assim que formulamos estas questões entramos imediatamente em terreno filosófico. Ao colocarmos estas questões somos inevitavelmente conduzidos a um conjunto de puzzles conceptuais com implicações sociais e políticas de primeira grandeza que radicam na questão de quem somos, o que somos e o que queremos ser, pelo que, em última instância, somos reconduzidos à célebre inscrição do Oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”.
 

Após séculos de uma realidade quase exclusivamente a preto e branco, em que, supostamente, existiam apenas dois sexos e dois géneros, e o que não correspondesse a este esquema monolítico era catalogado como uma patologia, um desvio ou uma perversão, encontramo-nos, atualmente, numa realidade policromática marcada por uma pluralidade de termos que descrevem identidades e expressões de género, que pulverizaram o quadro tradicional e colocaram desafios à própria noção de Igualdade de Género. Se, como foi afirmado num programa educacional da BBC para crianças dos 9 aos 12 anos, existem mais de 100 géneros, o que significa verdadeiramente a Igualdade de Género? Neste Estado da Arte, procuraremos refletir sobre estas questões, mostrando o que @s filósof@s têm pensado sobre o assunto, mas também o que cada um de nós, seja qual for o nosso género, tem ainda a pensar sobre este puzzle filosófico.

 

Manuel João Pires é professor de filosofia no ensino secundário. Membro da SEA – Sociedade de Ética Ambiental, integra os órgãos sociais da associação O Que é?. Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com conclusão da parte curricular do Doutoramento em Filosofia. Participou em colóquios nacionais e internacionais, tendo vários trabalhos publicados. Presidente da PROSOFOS – Associação para a Promoção da Filosofia, desde fevereiro de 2015, é responsável, entre outras atividades, pela organização das Olimpíadas Nacionais de Filosofia e pela participação de Portugal na International Philosophy Olympiad.

SEGUNDA EDIÇÃO 2021

2021 | SEGUNDA EDIÇÃO

Das 21h às 22h, às segundas e terças-feiras | Local: Zoom

Dia 11  | Sessão 1Filosofia e Neurociência: uma reflexão metodológica, por Steven Gouveia

Dia 12  | Sessão 2 Filosofia e Neurociência: uma reflexão metodológica, por Steven Gouveia

Dia 18  | Sessão 3Ética do altruísmo eficaz, por Steven Gouveia

Dia 19  | Sessão 4Ética do voto, por Steven Gouveia

Dia 25  | Sessão 5Após Kuhn: O choque kuhniano e as suas consequências para a Filosofia da Ciência, por Artur Galvão

Dia 26  | Sessão 6 – Após Kuhn: novos caminhos para a Filosofia da Ciência do séc. XXI, por Artur Galvão

Filosofia e Neurociência

As relações metodológicas entre a Filosofia e a Neurociência têm sido alvo de debate intenso nos últimos anos, principalmente desde a publicação da influente obra “Neurofilosofia” de Patrícia Churchland.  Nessa obra, defendia-se que os métodos de investigação filosóficos deveriam ser tendencialmente substituídos pelos métodos da investigação da ciência empírica, caso o objetivo fosse atingir progresso nos estudos da obscura mente consciente. Ora, esta posição tem vindo a ser contestada de diferentes formas. Neste seminário procuraremos analisar as diferentes abordagens que relacionam a filosofia e a neurociência: (i) a abordagem isolacionista, que defende que não há relacionamento possível; (ii) a abordagem da neurofilosofia redutiva, que defende que a filosofia deve tendencialmente ser substituída por uma co-teoria futura da neurociência e psicologia; (iii) a abordagem da neurofenomenologia, que procurar cruzar as duas disciplinas de forma peculiar; e, finalmente (iv) a abordagem neurofilosofia não-redutiva, que procura defender um cruzamento conceptual-empírico iteractivo e constante de forma a aprimorar, por um lado, os conceitos usados e, por outro, influenciar a própria forma de fazer neurociência.

 

Ética do altruísmo eficaz

Neste seminário debateremos uma das ideias mais interessantes oferecidas pela ética contemporânea: o Altruísmo Eficaz – a ideia de que devemos doar parte do nosso rendimento da forma mais racional e eficaz possível. No dia 16 de Abril de 2019, o mundo acordou com a notícia que a icónica Catedral de Notre Dame, em Paris, estava a arder, ficando parcialmente destruída. A Catedral recebeu mais de 600 milhões de euros em donativos em pouco mais de 24 horas. Ora, será que a recuperação de um edifício emblemático é de facto a melhor forma de doar o seu dinheiro? Será que há algo de imoral em doar para a Notre Dame quando milhares de crianças morrem todos os dias devido a problemas relacionados com pobreza extrema facilmente resolvidos? O Altruísmo Eficaz defende que doar para a Notre Dame é irracional e, por isso, imoral. Iremos analisar os principais argumentos a favor desta ideia, assim como as principais objeções que podem ser levantadas à mesma.

 

Ética do voto

A reflexão ética sobre o voto tem sido ignorada por muitos filósofos morais, cientistas e filósofos políticos por variados motivos. Ao contrário do que se possa pensar, votar é um ato profundamente ético: através do voto, elegemos um governo que pode tornar as nossas vidas melhores ou piores. Se fizermos más escolhas, podemos acabar a eleger políticos racistas, xenófobos, sexistas que aplicarão medidas racistas, xenófobas e sexistas. O processo eleitoral pode decidir, literalmente, com quanto dinheiro cada cidadão vai acabar o seu mês, se vai poder comprar os medicamentos que precisa, se vai poder garantir uma boa educação aos seus filhos, etc. Embora o ato em si seja bastante simples – uma mera cruz num papel com várias opções –, este tem profundas consequências éticas para os cidadãos de um estado. A forma como votamos pode, literalmente, tornar a sociedade melhor ou pior. Por isso mesmo, uma reflexão ética séria e ponderada deve ser feita sobre o voto. Devemos votar numa eleição? Se sim, porquê? Devemos abster-nos? O voto individual serve para alguma coisa? Devo informar-me antes de votar? A Educação melhora o conhecimento dos cidadãos? Estas são as questões que iremos aprofundar neste seminário sobre a Ética do Voto.

 

Após Kuhn: O Choque Kuhniano e as Suas Consequências para a Filosofia da Ciência

Partindo do choque causado pela “nova” Filosofia da Ciência desenvolvida por Kuhn, abordar-se-ão algumas das consequências e legados decorrentes do “triunfo” desta. Abordar-se-á, em particular, as “guerras científicas” que abriu com a sua metodologia historicista e analisar-se-ão algumas respostas. Um dos temas trabalhados será o da pertinência da Filosofia da Ciência após Kuhn, abrindo, deste modo, pontos de reflexão para o lugar e função da Filosofia da Ciência no século XXI.

 

Após Kuhn: novos caminhos para a Filosofia da Ciência do séc. XXI

Nesta sessão serão abordados alguns dos caminhos e tópicos que têm constituído o foco central da Filosofia da Ciência. A título de exemplo, serão analisadas a abordagem cognitiva e a abordagem dos “dados-intensivos” (Data-Intensive Science) na ciência e, ainda, tópicos como os do realismo/anti-realismo, dos valores, da explicação e do reducionismo. Mais do que um desenvolvimento profundo, visa-se apontar as várias linhas de problematização e reflexão que se encontram contemporaneamente na agenda dos filósofos da ciência, bem como alguns desafios para o futuro.

 

Oradores

Artur Galvão

Professor assistente na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa (Braga). Leciona as unidades curriculares de Epistemologia, Filosofia da Ciência, Filosofia da Linguagem, Lógica Informal e Argumentação e Investigação Orientada 1 e 2. Leciona/ou múltiplas unidades opcionais e seminários em áreas como Filosofia e o Amor, Filosofia no Cinema, Teorias da Racionalidade, Filosofia da Mente e Ciências Cognitivas.Tem feito pesquisa no âmbito do pragmatismo e do pensamento tomista, tendo-se especializado no pensamento filosófico de A. MacIntyre e R. Rorty. É membro do Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos. É secretário da Revista Portuguesa de Filosofia. Tem organizado e participado em Congressos Internacionais e realizado múltiplas conferências. Tem organizado e orientado múltiplas acções de formação de professores e de profissionais do mundo empresarial. Tem colaborado com conferências e workshops em escolas secundárias de todo o país.

 

Steven Gouveia

Investigador doutorando na Universidade do Minho (financiado pela FCT), orientado pelo filósofo Manuel Curado e pelo neurocientista Georg Northoff. É investigador-visitante na Minds, Brain Imaging and Neuroethics Unit do Royal Institute of Mental Health na University of Ottawa. É investigador no Mind, Language and Action Group, Instituto de Filosofia da Universidade do Porto, e no Lisbon Mind & Reasoning Group, IFILNOVA – Universidade Nova de Lisboa. Publicou, como autor e editor, diversos livros académicos, sendo o mais recente “The Age of Artificial Intelligence: an Exploration” (Vernon Press), com a participação de Ben Goertzel, Dan Dennett ou David Pearce. Publicará muito brevemente “Homo Ignarus: Ética Racional para um Mundo Irracional”, contando com o prefácio de Peter Singer e posfácio de Viriato Soromenho-Marques. Foi orador na “Science of Consciousness Conference” (2019) e em diversas conferências nacionais e internacionais.  Mais informações: stevensgouveia.weebly.com

PRIMEIRA EDIÇÃO 2019

2019 | PRIMEIRA EDIÇÃO | Das 21h às 22H
Filosofia do conhecimento | 19 de novembro 2019

Artur Galvão, Universidade Católica Portuguesa (Braga) | O valor do conhecimento: o advento da treta e do Keyfabe
Em 1980 Isaac Asimov argumentava estar a desenvolver-se nos EUA um culto da ignorância, assente na falsa noção de que “democracia significa que a minha ignorância é tão boa quanto o teu conhecimento”. Presentemente, o mundo ocidental democrático vê-se confrontado com o surgimento de múltiplos fenómenos culturais (p.e. ressurgimento da defesa da Terra plana e movimentos anti-vacina) que perpetuam a noção de que ter direito à opinião equivale a ter uma opinião de valor. Mais do que o lado ‘caricatural’ da audácia ignorante destes movimentos, devemos preocupar-nos com o facto de minarem a confiança, que tem norteado as sociedades ocidentais democráticas desde a sua fundação, no valor do conhecimento e da verdade. Nesse sentido, a treta e o kayfabe, tradicionalmente mais resguardados no espaço privado, invadiram o espaço público e ameaçam tornar-se dominantes. Partindo das reflexões de H. Frankfurt reanalisa-se o problema do valor do conhecimento.

Filosofia aplicada | 29 de outubro de 2019
Cecília Tomás, CEFI (Centro de Estudos de Filosofia) da Universidade Católica Portuguesa | Transhumanismo, singularidade e capitalismo de vigilância
Na era da Internet de todas as Coisas, do Big Data, da Inteligência Artificial e de todos os progressos ligados à tecnologia computacional, científica, médica e cognitiva, emerge um contexto filosófico associado à demarcação do ser humano como uma espécie de ‘humano aumentado’, cuja simbiose com a máquina permite a transcendência da génese humana e, assim, a criação da singularidade. Sinónimo de inteligência plena e mesmo de imortalidade, a singularidade é um conceito associado ao transhumanismo cuja dimensão ética remonta ao capitalismo de vigilância tão típico das sociedades contemporâneas desenvolvidas que hoje conhecemos e cujas ideias de inclusão e de diversidade parecem, cada vez mais, meras utopias.

05 de novembro 2019
Joaquim Escola, UTAD | A Filosofia numa civilização informacional digital
O mundo em que habitamos tem hoje a presença incontornável da tecnologia, deixando entrever a tendência para a incorporação no quotidiano de cada um continua de dispositivos tecnológicos, sobretudo os mais recentes saídos da revolução informática.
A filosofia  tem hoje no contexto tecnocientífico em que se desenvolve, ou no que Hans Jonas designou por civilização tecnológica, um espaço completamente aberto e interpelante para um conjunto de questões que urge pensar. São muitas as perguntas que emergem, no entanto, pretendemos discutir apenas quatro dos desafios com que a filosofia se debate numa sociedade informacional digital.
O primeiro grande desafio está centrado na relação com o tempo. O pensamento de Paul Virilio, em torno da dromologia, convida-nos a refletir sobre as implicações da velocidade na contemporaneidade. Como continuar a meditar filosoficamente num tempo acelerado, isto é, num tempo marcado pelo signo da rapidez e do imediato? A meditação filosófica tem como pressuposto a necessidade de um tempo distendido que não se compagina com a urgência que os “veículos mediáticos” impõem.
O segundo desafio prende-se com a participação e intervenção cidadã no ciberespaço numa sociedade que se pretende aberta e transparente.
O terceiro desafio que pretendíamos discutir é o desafio da construção da identidade pessoal, profissional no que Echeverria, desde o ensaio Telepolis,  tem designado por teletrabalho.
Por fim, o desafio das relações interpessoais, intersubjetivas, mas também profissionais que as redes sociais desencadearam.

12 de novembro de 2019
Sofia Miguens | Filosofia e feminismo: três casos
A história aprofundada das relações do feminismo com a filosofia está por fazer e seria certamente reveladora de disputas e linhagens em filosofia contemporânea. Os cruzamentos do feminismo com a filosofia são muitos: vão de concepções da corporeidade na relação com a mente ou espírito a questões de expressão (quer no sentido austiniano de prática performativa da linguagem, quer no sentido político de liberdade de expressão), até questões éticas, políticas e jurídicas relativas à liberdade e igualdade, exploração e dominação, justiça e reconhecimento. Assim sendo, os nomes da filosofia contemporânea relevantes para o feminismo são eles próprios muito diversos e associados a orientações distintas: da proximidade com o existencialismo de uma autora como Simone de Beauvoir, à proximidade com a Escola de Frankfurt de Seyla Benhabib, discípula de Habermas, à proximidade do pensamento de Derrida e Lacan de teóricas francesas como Hélène Cixous e Luce Irigaray, até à proximidade do contexto da filosofia anglófona de feministas como Catharine MacKinnon, Andrea Dworkin, Iris Marion Young ou Rae Langton, a diversidade é clara. Da mesma forma que as orientações filosóficas das autoras e activistas feministas são diversas, aquilo que historicamente interessou fazer foi muito diferente em épocas diferentes: da luta pelo voto, à discussão dos entendimentos do corpo e da identidade, a discussões sobre concepções sociais, políticas e legais de masculino e feminino, à defesa de ideias como a de que noções convencionais de género servem uma função de opressão, a batalhas legais em torno da circulação da pornografia no espaço público, até discussões da natureza da ética e de questões de âmbito antropológico amplo, como a convencionalidade da natureza humana e a natureza das nossas respostas morais. Nesta sessão serão explorados três exemplos.

Artur Galvão

Artur Ilharco Galvão é professor assistente na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa (Braga). Leciona as unidades curriculares de Epistemologia, Filosofia da Ciência, Filosofia da Linguagem, Lógica Informal e Argumentação e Investigação Orientada 1 e 2. Leciona/ou múltiplas unidades opcionais e seminários em áreas como Filosofia e o Amor, Filosofia no Cinema, Teorias da Racionalidade, Filosofia da Mente e Ciências Cognitivas.Tem feito pesquisa no âmbito do pragmatismo e do pensamento tomista, tendo-se especializado no pensamento filosófico de A. MacIntyre e R. Rorty. É membro do Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos. É secretário da Revista Portuguesa de Filosofia. Tem organizado e participado em Congressos Internacionais e realizado múltiplas conferências. Tem organizado e orientado múltiplas ações de formação de professores e de profissionais do mundo empresarial. Tem colaborado com conferências e workshops em escolas secundárias de todo o país.

Cecília Tomás

Professora de Filosofia e Educação Especial. Doutoranda na área das Ciências da Educação sob a égide dos Desafios Éticos do Internet das coisas na Universidade Aberta. Mestre em Pedagogia do e-learning e Especializada em Educação Especial. Pós-graduada em Educação para a Cidadania e licenciada em Filosofia pela Universidade Católica Portuguesa. Investigadora no Centro de Estudos de Filosofia (CEFi) da Universidade Católica Portuguesa e no Laboratório de Ensino a Distância (LE@D) da Universidade Aberta, dedicando-se a investigar as implicações ético-filosóficas nas áreas da Internet das Coisas, Inteligência Artificial, Web Semântica, Acessibilidade, Open Data e Personalização na educação.
Autora de trabalhos académicos tais como Web semântica e personalização: repercussões da interação semântica com recursos educacionais abertos na identidade virtual do estudante e nos ambientes de aprendizagem online e A acessibilidade das Plataformas eLearning em instituições de Ensino superior Público em Portugal: Contributos Iniciais. Autora de artigos internacionais dos quais se destaca OER Studies in Portugal – POERUP (Policies for OER Upstake). Participação no livro (com a escrita de artigos) Ensinar e Aprender Filosofia no Mundo Digital da CFUL (2014).

Joaquim Escola

Professor Auxiliar de nomeação definitiva da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Licenciado em Filosofia e Mestre em Filosofia Contemporânea pela Universidade de Coimbra,  Doutor em Educação pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (2003).
Membro integrado do Centro de I&D – Instituto de Filosofia da Universidade do Porto, onde colaborou como como Professor Convidado. Participa ainda em dois centros de investigação estrangeiros:  membro do Centro de I&D Educação Comparada da Universidade de Salamanca (Espanha) e do LAGERES da Universidade Federal da Paraíba – Brasil.
No quadro da gestão académica, desempenhou vários cargos: Diretor de Departamento de Educação e Psicologia, Vice Presidente da Escola de Ciências Humanas e Sociais, Presidente do Conselho Pedagógico da Escola de Ciências Humanas e Sociais, Membro do Conselho Académico da UTAD, diretor de vários ciclos de Estudo (Licenciaturas, Mestrados e Doutoramento em Ciências da Educação)
No domínio da investigação orientou várias dissertações de mestrado e teses de doutoramento e publicou vários livros, capítulos de livros, artigos científicos em revistas indexadas.
É conferencista convidado em congressos nacionais e internacionais.

Sofia Miguens

É professora e investigadora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde dirige o Instituto de Filosofia e o Gabinete de Filosofia Contemporânea. Foi investigadora visitante na Universidade de Nova Iorque e na Universidade de Sydney (Austrália) e professora visitante
em Amiens (França). Tem lecionado cursos e feito conferências em Espanha, França, Alemanha, Áustria, Turquia, Suíça, Finlândia, Austrália, Polónia, China, entre outros países. Foi Presidente da Sociedade Portuguesa de Filosofia e Diretora do Departamento de
Filosofia da FLUP. Publicou dezenas de artigos em várias línguas nas suas áreas de especialidade (mente e linguagem, filosofia moral e história da filosofia contemporânea). É autora de oito livros, o mais recente dos quais é “Uma leitura da filosofia contemporânea: figuras e movimentos”, publicado em 2019 (Edições 70). Em 2019 publicará também The Logical Alien (Harvard University Press).

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