33.º Encontro de Filosofia Filosofia e Direitos Humanos | 9 de março de 2019
Síntese do 33.º Encontro
O que se entende por “Direitos Humanos”? Em situação de guerra e com as diferentes políticas de refugiados, qual o lugar para os direitos humanos? Qual a relação entre Direitos humanos, educação e igualdade de género? Porque é a privacidade um direito? Com a era digital ampliou-se a democratização do conhecimento? Há liberdade de expressão no mundo digital? O mundo digital aumentou o exercício de cidadania?
Foi em torno destas questões que se realizou o 33.º Encontro de Filosofia, promovido pela Associação de Professores de Filosofia, e subordinado ao tema “Filosofia e Direitos Humanos”, no dia 9 de março, no Auditório do Museu Nacional de Conímbriga.
Na conferência de abertura, João Cardoso Rosas, da Universidade do Minho, estruturou a sua comunicação em quatro tópicos: 1. O que se entende por “direitos humanos” hoje? 2. Direitos humanos e direitos naturais do Homem. 3. Direitos humanos e pluralismo cultural e doutrinal. 4. Os direitos humanos são uma realidade histórica, mas terão um fundamento filosófico?
Atualmente, afirma, os direitos humanos são considerados proteções legais universais, não discriminatórias, juridicamente estabelecidas e com um conjunto de obrigações positivas e negativas – o que fazer e o que não fazer. Existem várias raízes filosóficas dos direitos humanos (DH), que podemos encontrar particularmente em John Locke: vida, liberdade e propriedade, o núcleo dos direitos naturais. Contudo, tais direitos naturais não devem ser entendidos com os direitos humanos. Uma das principais questões acerca dos DH é a do seu caráter universal. Em 1947, a Associação Americana de Antropologia emitiu uma declaração contestando a universalidade dos direitos humanos, defendendo um relativismo cultural radical que considera que cada sociedade tem a sua cultura e, consequentemente, tem os seus próprios valores. Posteriormente, em 1999, a mesma associação matizou esta declaração reconhecendo a importância dos direitos humanos.
Maria Fernanda Henriques, provocatoriamente, enunciou que “os direitos são humanos, as mulheres é que não”, procurando demonstrar como as mulheres têm sido consistentemente arredadas dos DH, sendo os seus “pontos cegos”. Existe, afirmou, uma grande assimetria entre os direitos humanos e a sua efetiva aplicação às mulheres, o que talvez justifique algum tipo de discriminação positiva. Existe uma conceção antropológica assimétrica que atravessa as nossas sociedades e de que são expressões fenómenos como a objetificação da mulher.
Olga Pombo salientou que o Estado-Nação, nos últimos séculos, conseguiu “domesticar o Homem”, transformando-o num cidadão que vai votar de 4 em 4 anos. Contudo, nas nossas sociedades temos humanos que estão reduzidos precisamente à condição de humano, não tendo acesso à condição de cidadão: os imigrantes, os refugiados, etc. Ora, os DH foram pensados para o cidadão, e não para estes indivíduos, como os apátridas, que são enfiados em campos, sendo-lhes vedado o acesso a direitos de cidadania. E por isso, afirma, é importante entender esta distinção entre direitos humanos e direitos de cidadania. A Escola, hoje, orienta-se para a produção de cidadãos (“Educação para a Cidadania”) e não para a formação de Seres Humanos. Será que aceitamos passivamente que o imigrante, por não pagar impostos, não tem direito a lavar-se, a ter uma casa de banho, a ter acesso a comida e Educação? Daqui resulta a xenofobia e o racismo, pelo que deveríamos proceder ao reconhecimento universal dos DH, independentemente dos direitos de cidadania.
António José Fernandes dissertou sobre o direito à paz no contexto dos DH. Se o direito à paz é um direito coletivo e individual, em que âmbito se insere no contexto dos DH? Determinados direitos, como o direito à autodeterminação dos povos, podem ser conflituantes com o direito à paz. Também Alexandre Franco de Sá problematizou a implementação dos Direitos Humanos, apresentando algumas linhas da crítica que lhes é tecida, citando, entre outros, Jacques Rancière, Slavoj Zizek e Giorgio Agamben.
Depois da hora de almoço Leonor Barata apresentou o projeto “A dança e a Filosofia”.
Da parte da tarde, com moderação de António Moreira Teixeira, desenvolveu-se um animado debate no qual foram discutidos novos problemas filosóficos acerca dos DH. Joaquim Escola problematizou o direito à privacidade, distinguindo privacidade de intimidade, dado que nos países anglo-saxónicos a palavra intimacy é pouco usada. Salientou que só as pessoas têm intimidade, enquanto as instituições têm privacidade. A intimidade requer consentimento para se entrar nela sem a destruir. Falar em DH implica necessariamente a referência à vida privada. De facto, a democracia exige a proteção da vida privada; também na Constituição da República Portuguesa surge a preocupação com a privacidade. Então, por que razão é a privacidade tão importante na Sociedade Digital, na Sociedade da Informação e do Conhecimento? Referenciou vários autores centrais nesta discussão, tais como Neil Postman, Gianni Vattimo, Norbert Wiener, salientando que a questão da privacidade passa hoje pelas bases de dados, sua proteção e gestão, com todas as possibilidades de devassa da vida privada, de exclusão social, de cibercrime, que afinal, também são ameaças á própria democracia. Na sociedade digital a privacidade está hoje muito mais ameaçada do que em qualquer outro tempo, frisou.
Precisamente, Paula Pereira mostrou como as “Novas Tecnologias” podem desempenhar um papel importante no Bem Comum, mas colocando-se a questão da democratização do conhecimento: a apropriação dos meios digitais por apenas uns quantos pode fazer perigar a democracia. Progressivamente, a tecnologia tem vindo a dominar as relações humanas, numa sociedade cada vez mais digital. O acesso à informação não é, por si só, suficiente, pois é necessário transformá-la em conhecimento. Isso exige que os próprios sujeitos sejam mais críticos; exige-se hoje uma tecnociência mais humana, mas para isso será necessária uma alfabetização digital.
No seguimento desta ideia, Teresa Calçada sublinhou o facto de todas as tecnologias verem ser-lhes associadas maldades e bondades, mas todas elas exigindo literacias próprias. É o que acontece hoje, com a revolução digital que transformou radicalmente a forma como a informação se transforma em conhecimento. Precisamos hoje de desenvolver novas literacias para enfrentar este admirável mundo novo: essa civilização digital não tem de ser não-humanista, desde que se entenda que é necessária uma trans-literacia que possa travar a força do mundo digital.
A esse propósito, Luísa Ucha apresentou um curioso mapa que mostra a ligação a Internet dos utilizadores em todo o mundo, sendo visível o predomínio de utilizadores provenientes dos mesmos centros que, tendencialmente, também são centros económicos. Sublinhou a importância de os jovens desenvolverem uma literacia mediática, dado que são utilizadores intensivos das “novas tecnologias”. Terminou apresentando o MILD – Manual de Instruções para a Literacia Digital. Hoje, ao falarmos de cidadania, temos de incluir o exercício da cidadania na rede pois, muito mais do que a simples partilha de fotografias, o que está em causa é a forma como acedemos à informação e a forma como a informação nos é disponibilizada, dada a intromissão de algoritmos.
No dia 9 de março, no Auditório do Museu Nacional de Conímbriga decorreu o 33.º Encontro de Filosofia, promovido pela Associação de Professores de Filosofia, e subordinado ao tema “Filosofia e Direitos Humanos”.
Programa
09h00 | Receção dos participantes
09h30 | Palavra de boas-vindas
09h45 | Conferência de abertura
João Cardoso Rosas, Universidade do Minho
10h30 | Painel 1 – Direitos humanos, guerra e políticas de refugiados
Alexandre Franco Sá, Universidade de Coimbra
António José Fernandes, Universidade Lusófona
11h30 | Intervalo
12h00 | Painel 2 – Direitos humanos, educação e igualdade de género
Maria Fernanda Henriques, Universidade de Évora
Olga Pombo, Universidade de Lisboa
13h30 | Almoço
15h15 | Debate – Direitos humanos no mundo digital
Moderador: António Moreira Teixeira, Universidade Aberta
Porque é a privacidade um direito?
Joaquim Escola, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Com a era digital ampliou-se a democratização do conhecimento?
Paula Pereira, Universidade do Porto
Há liberdade de expressão no mundo digital?
Teresa Calçada. Comissária do Plano Nacional de Leitura
O mundo digital aumentou o exercício de cidadania?
Luísa Ucha, Adjunta da Secretaria de Estado da Educação
17h45 | Encerramento dos trabalhos
18:00 | Assembleia geral
Alexandre Franco de Sá
Professor Auxiliar do Instituto de Estudos Filosóficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e Diretor do Mestrado em Ensino da mesma faculdade. É Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, Brasil. Doutor em Filosofia, especialidade Filosofia Moderna e Contemporânea, pela Universidade de Coimbra. Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Filosofia Fenomenológica.
Ex-membro do Parlamento Europeu (1986-1987), foi titular de uma Chaire (Cátedra) d’Études Européenes, ao abrigo da Action Jean Monnet (1991-1998). Dirigiu o Mestrado em Estudos Europeus, na Universidade do Minho, o Mestrado em Relações Económicas Internacionais, na UNIVALI (Brasil) e na Universidade do Minho, e o Mestrado em Integração Europeia e Economia Internacional, na Universidade Lusófona do Porto, bem como o Curso de Doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais, nesta última Universidade. E, desde Janeiro de 2001 a Outubro de 2007, foi Reitor da Universidade Moderna do Porto, primeiro, e da Universidade Lusófona do Porto, a partir de Setembro de 2005.
António Moreira Teixeira é Professor da Universidade Aberta desde 1991 e investigador no Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, do qual é Vice-presidente. Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Artes da Universidade de Lisboa, obteve o grau de Mestre em Filosofia e Cultura na mesma instituição, possuindo igualmente um doutoramento em Filosofia. Atualmente é Presidente da EDEN – European Distance and Elearning Network; Diretor e Secretário da IBSTI; Pró-Reitor para a Inovação e Ensino a Distância da Universidade Aberta; membro do Conselho Administrativo e Académico da Universidade Aberta Internacional da Ásia (UAIA); membro do conselho Consultivo Internacional de Educação a Distância e da Learning Futures Alliance da Massey University – DELFA (New Zealand); membro do Expert’s Board of the Horizon Report for Iberoamerica, membro da e-ASEM network (Asia-Europe Meeting) e Professor Visitante da Universidade Aberta Nacional da Coreia – Coreia do Sul.
Fez Doutoramento em Filosofia pela Universidade de Évora em 2002, onde criou e foi Diretora, até 2011, do Mestrado em Questões de Género e Educação para a Cidadania. Directora do Curso de Doutoramento em Filosofia. Membro do Advisory Board da revista ex aequo – Revista da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres. Membro do Grupo Instalador da Associação Portuguesa de Teologia Feminista. Membro do Conselho Editorial da Editora e Livraria Distacco, sediada no Estado de São Paulo, no Brasil. Conselheira do Conselho Nacional de Ética no mandato de 2003 a 2008.
Luisa Ucha é licenciada em Geografia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Mestre em Ciências da Educação, Área de Tecnologias Educativas pela Universidade de Lisboa, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. Professora de Geografia da Escola Secundária José Gomes Ferreira, Agrupamento Escolas de Benfica.
Desde dezembro 2015 é adjunta no Gabinete do Secretário de Estado da Educação e neste âmbito coordenou o Grupo de Trabalho Interministerial de Educação Inclusiva responsável pela elaboração da proposta do Decreto-lei n.º 54/2018, de 6 de julho. Integrou os Grupos de Trabalho Interministerial de Educação para a Cidadania que elaborou a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania e o das Necessidades Especiais na Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Integrou também o Grupo de Trabalho do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.
Licenciado e Mestre em Filosofia pela Universidade do Porto e Doutorado pelo Instituto Universitário Europeu. É professor associado no Departamento de Filosofia do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho, onde dirige o programa de mestrado em Filosofia Política e coordena o grupo de investigação em Teoria Política. Foi presidente da direcção da Sociedade Portuguesa de Filosofia e é atualmente Diretor do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho.
Professor auxiliar do departamento de Educação e Psicologia da Escola de Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Doutorado em Educação pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e Mestre em Filosofia Contemporânea pela Universidade de Coimbra onde se licenciou. Os seus interesses de investigação centram-se na Comunicação e Tecnologia Educativa, Educação para os Media, Didática da Filosofia e Filosofia da Educação.
Conferencista convidado em reuniões científicas nacionais e internacionais. Revisor científico em revistas nacionais e estrangeiras. Perito Externo TEIP. Consultor Científico do Projeto Tutoria Digital. Membro integrado do Centro de Investigação da FCT do IF da Universidade do Porto.
Licenciada em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, doutorou-se em História e Filosofia da Educação pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Entre outros, foi coordenadora científica de vários projectos: “Enciclopédia e Hipertexto”, “Cultura Científica”, “A Imagem na Ciência e na Arte” , “Universal Logics and Unity of Science, “Knowledge Dynamics in the Field of Social Sciences: Abduction, Intuition and Invention”. Foi presidente da Secção Autónoma de História e Filosofia das Ciências da FCUL entre 2007 e 2012. Foi Coordenadora científica do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa (CFCUL) desde a sua fundação em 2003 até Janeiro de 2017. Fundadora, em 2013, do Programa Doutoral FCT “Filosofia da Ciência, Tecnologia, Arte e Sociedade” que coordenou até Janeiro de 2016. É membro fundador da “Société de Philosophie des Sciences” de Paris e, desde 2012, membro do seu conselho de administração. É também membro fundador, desde 2012, da “Cátedra Latino-Americana Leopoldo Zea de Filosofia e Epistemologia”, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Brasil.
Professora do Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Directora do Programa Doutoral em Filosofia, membro do Conselho Científico da mesma Faculdade e Investigadora Responsável (desde 2007) do Grupo de Investigação Philosophy and Public Space do Instituto de Filosofia (UI&D/502/FCT).
Os seus interesses de investigação centram-se na Antropologia Filosófica, na Filosofia da Educação, na Filosofia Social e Política e na Filosofia da Cidade.
Membro do Philosophy of the City Research Group e de Conselhos Editoriais e Científicos de revistas nacionais e internacionais; investigadora da Red Iberoamericana Vida Cotidiana, Ética, Estética, Educación y Política e de www.insumisos.com, Red de Investigadores Latinoamericanos por la Democracia y la Paz. Professora convidada em Universidades estrangeiras (Brasil, Espanha, Grécia, Itália, Moçambique) e integra o Conselho de Ética e Deontologia da Universidade de Aveiro.
Licenciada em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi técnica do Instituto Português do Livro de 1982 a 2007 e vice-presidente do Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, até 1996. Membro do grupo de trabalho que em 1996 definiu as bases e os princípios orientadores do Programa Rede de Bibliotecas Escolares, tendo sido coordenadora do Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares até 2013. A 10 de Junho de 2006, foi feita Comendadora da Ordem da Instrução Pública. É neste momento Comissária do Plano Nacional de Leitura.
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